terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Do mau gosto!

"Talvez porque tenha memória ou porque, na infância, tenha lido a história do menino e do lobo, não me impressionam as gritarias do género "Censura! Censura!" ou "Fascismo! Fascismo!" que de vez em quando agitam a política e a comunicação social portuguesas.
Também não é o facto de nunca ter sido aqui impedido de escrever o que quer que seja (mais de uma vez tive que ser eu próprio a impedir-me de fazê-lo...), que me leva a não levar à letra o clamor que em certos meios por estes dias se levanta de que não haverá "liberdade de expressão" em Portugal. Soubesse de razão certa (e justa) de uma só voz amordaçada e sentir-me-ia também amordaçado. A liberdade é uma flor frágil e está sempre em risco. Mas é uma daquelas palavras que, segundo Ionesco, devem ser ditas de modo a que não caia em ouvidos de surdos. Há coisas que se dizem no café, entre amigos, ou numa tasca, mas que, por motivos de bom senso e de bom gosto, é intolerável pretender publicar num jornal invocando a liberdade. Talvez os bárbaros estejam às portas da cidade, pois estão sempre. Mas também estão (estão sempre) dentro das muralhas." Manuel António Pina, no JN

Há comparações que não se fazem, ponto! Porque a desproporção entre comparados é tal que distorce a relação que cada um estabelece com a verdade, isto é, falseiam a percepção da realidade. Num certo sentido atentam contra a ética e, se recorrentes configuram manipulação. É o caso das referências recorrentes ao polvo, quando se procura demonstrar que um determinado grupo actuou em rede para alcançar os seus objectivos. Acontece que, no nosso imaginário colectivo, “o polvo” é uma expressão por excelência para denominar a máfia italiana (quem não se lembra da série da TV). Uma organização violenta e sanguinária, infiltrada transversalmente na sociedade. Aqueles que o fazem, como João Miranda AQUI e Francisco Almeida Leita AQUI e AQUI, entre muitos outros, ignorando o sentido da decência, mas bem conhecedores do cenário que pretendem impor, apenas o fazem porque tem liberdade e condições de cidadania para se exprimirem, contrariando a própria tese, que pretendem impingir.

É triste, mas não é novo nem raro. Assiste-se, de forma mais ou menos persistente ao insulto fácil de fascista, ou nazi, a propósito de qualquer prática banal mais sectária, desvalorizando os limites do horror e do sofrimento humano infligidos pelos regimes que assim se intitularam.

Deveria haver um sentido ultimo de moralidade em cada um que mantivesse reserva em relação a termos cuja aplicação apenas suscitasse comparações em situações análogas, de reais atentados contra o ser humano (e tantos que ocorrem permanentemente). Por muito interessante que possa parecer “desmascarar” praticas menos próprias da classe política, ou mesmo o turbilhão mediático causado, é sempre maior o dano para a liberdade e para cada um de nós causado pelo esvaziamento das palavras. Além disso é de um tremendo mau gosto!

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